DISCRIÇÃO, O ESTILO DE DEUS.




O “escondimento” ou “segredo/discrição”[1] vivida pelos membros dos Institutos Seculares não é algo aleatório ou de mero capricho, mas está inscrito no estilo que Deus trabalha. Em Colosssenses (3,3), lemos: “Morrestes, e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus”. Jesus Cristo está escondido em Deus e, com Ele, nossa vida está escondida! Está escondida em Deus a vida de todo o batizado, mas na vida daquele e daquela que opta pela consagração secular, este escondimento integra a sua vocação, e se constitui em opção “estratégica” para o anúncio do Reino. Jesus revelou-se e revelou o Pai, mas depois da Páscoa, na Ascensão, Jesus volta ao seu escondimento e ao seu silêncio habitual, revelando-se explicitamente – como em Lanciano – muito poucas vezes.


O significado da discrição ou do segredo na consagração secular está na mística de “desaparecer” como o fermento na massa e tem conseqüências práticas no fato de a pessoa não ser imediatamente reconhecida como consagrada, evitando tanto privilégios e distinções, como discriminações.


O fazer-se igual aos seus colegas de trabalho ou outras pessoas com quem convive, expressa uma motivação interior e um sentido para agir em silêncio, testemunhando a própria fé e os valores cristãos como todo o batizado tem compromisso de fazer. Para viver e manter-se neste estilo de vida conta com uma graça especial, de sua própria consagração, pois para isso foi constituído por Deus, na Igreja.


Para representar esta forma discreta de agir, podemos pensar em alguns símbolos que Jesus usa. Pensemos no fermento (cf. Lc. 13,21), que ao agir, abre pequeninos espaços, que se configuram a “elementos vazados”, que permitem circular luz, ar, vento, oxigênio, som, cor e vida, mas ele mesmo não aparece, apesar de podermos ver a sua ação. O tecido social, econômico, cultural, político, artístico, esportivo de nosso mundo precisa deste “respiro”! Mas para que sejamos fermento do Reino, é necessário cumprirmos uma essencial condição: estarmos corajosamente decididos(as) a seguir os passos de Jesus e viver dia-a-dia a experiência da intimidade com Ele, pela oração pessoal e litúrgica.


Também podemos pensar na semente (cf. Lc. 13,19), que por pequenina que seja, traz em si uma força de vitalidade, que a faz partir a casca e romper a terra que a cobre e vir à luz, para se transformar em uma planta.“Semente e fermento trabalham escondidos. A obscuridade e a pequenez não são obstáculos ao crescimento, são mesmo sua condição. A aventura da semente e do fermento é repleta de vicissitudes”.[2]


Ainda mais discreto é o sal, que confere sabor aos alimentos e, no entanto, depois de misturado ao alimento não se vê. Quem come sabe que ele foi adicionado, mas a ele mesmo não se vê mais. Mas quanta falta faz quando ele não está presente!


Acima de tudo, a presença velada e real de Jesus na Eucaristia é paradigma da atitude da pessoa vocacionada à consagração secular. Uma presença velada, mas não ineficaz! A presença da pessoa consagrada secular deve ser tal, que carregue Jesus Cristo em si, como num tabernáculo, em todos os espaços humanos. Quem olhar verá um ser humano, mas revestido de uma humanidade que revela algo da presença do Ser divino. Presença que atinge as pessoas e as leva a perguntar: porque é tão feliz e tão firme em suas convicções? Ou: de onde lhe vem força e motivação para amar com tal pureza e intensidade? Porque vive com tanta mansidão e humildade? Porque sempre se posiciona a favor da vida? Porque dirige sua conduta pela ética, pela justiça, pela honestidade? Porque é um/uma profissional com tal dedicação e competência?


Hoje se questiona o “segredo” absoluto – sobre a pertença aos Institutos Seculares – , que alguns ousam chamar de “segredo de máfia”, e pode ser que na atual conjuntura, onde não se viva em clima de perseguição, encontre dificuldade para justificar-se. A “discrição” é mais aceita hoje, e significa que a pessoa não se apresenta como tal, mas se alguém percebe o “sinal da familiaridade divina”, a pessoa consagrada acena ou revela a pertença a um Instituto Secular, especialmente em ambientes eclesiais, contribuindo assim para o conhecimento desta vocação específica e para incremento do trabalho vocacional.


A oração depois da comunhão, na quinta-feira da oitava da Páscoa, chama a participação na Eucaristia de “convívio redentor”.  Neste convívio eucarístico o consagrado secular aposta tudo, para que o mundo possa ver o Deus-escondido. Levando em sua pessoa e como essência de sua vida a experiência deste convívio, se faz portador do jubiloso anúncio do quanto Deus ama a humanidade e assim, colabora com Jesus Cristo para redimir o que ainda não foi alcançado por Ele.


E o que é redimir senão cristificar, nos tornar semelhantes a Cristo? Cristificar é se deixar marcar por Jesus Cristo e ser identificado como pessoa de quem Ele é o Senhor, a quem se obedece e a quem se segue onde quer que Ele vá, – e O leva por onde quer que ande – pessoa que faze deste “convívio redentor” o centro de sua vida.


A pessoa que sai de sua casa para suas tarefas profissionais com a experiência quente da convivência íntima e intensa com Deus, como pessoa íntima d’Ele, é capaz de concretizar o anúncio que prescinde das palavras, e, à maneira do perfume (cf. Lc.1, 9-11), espalha sua fragrância. Quando, em algum ambiente, existe um perfume exalando, todos sabem que algum perfume foi derramado ou usado, pois ele está presente. Quem tem olfato mais apurado pode definir até de que elemento ou planta foi extraído, mas ninguém o vê. E, no entanto, todos sabem que ele está no ar. Precisamos ser portadores do perfume divino!




[1] Para elucidar, usamos a contribuição de Rita Bender, uma consagrada secular, que assim se expressa: “Segredo é algo totalmente escondido, que não revelo em hipótese alguma. Discrição já é algo escondido, coberto por um véu, não secreto e que pode ser revelado, mas não a todos e sim àqueles a quem o Espírito Santo nos indicar que podemos revelar, ou seja, quando o discernimento nos diz que podemos revelar, desvelar, tirar o véu”.
[2] Missal Cotidiano. Comentário da terça-feira da XXX semana comum, anos pares. Paulinas, 1984. p.1209.
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